"...e foram virando peixes, virando conchas, virando seixos, virando areia, prateada areia, com lua cheia e à beira-mar..."
Vai acontecer. Ela sabe, é inevitável, afinal. Sempre soube que o mar a chamava com esse canto que dizem ser de sereia mas ela duvida porque ouve uma voz bem distante de como cantaria uma sereia em madrugada de lua cheia e à beira-mar.
A voz que ela vai seguir entrando no mar sem saber nadar é grave. Como são agora seus gestos. Graves. Definitivos. Tirar a roupa, abandonar os sapatos, soltar os cabelos, soltar as amarras que ainda poderiam existir, longínquos pedaços de cais, recortes do que foram ilhas, portos, pedaços de terra. Não há mais nó que a suporte. Só o mar pode marcar o passo com a indecisão de um som que não sabe se vai ou se volta e é no meio dele que tudo pode ser achado para nunca mais ser perdido ou nada pode ser perdido para todo o sempre encontrado. Amém.
Amém ela diz e entra no mar. A voz mais nítida, agora um lamento cheio de areia, cheio da areia que ela vem trazendo nas mãos fechadas que se recusam a nadar. Nem tenta. Não sabe mesmo. Quanto mais fundo, mais coberta de água, mais selada de sal, mais levada para o fundo, mais perto da voz grave e doce e seus pulmões estourando de maresia, inchando o que ela ainda pensava saber das palavras.
Sem socorro e bem mais sós que todo o resto do mar e o resto do mundo e o resto dos restos dos restos dos restos...
Que só isso há de restar: um nó de marinheiro.
ANA CARDILHO
2007
ANA CARDILHO
2007
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