quinta-feira, 15 de agosto de 2013


                A MENINA QUE ROUBAVA LIVROS





O que se deve fazer se, durante a travessia de um farol aberto para pedestres, seus sentidos desligam, cai sobre você um “apagão” muito rápido mas, ao mesmo tempo, tão intenso que quando você se dá conta já foi ao chão? 

Quando seus olhos conseguem se firmar e ver alguma coisa, você percebe que está ajoelhado sobre a faixa de pedestres, com os óculos no asfalto, a bolsa ainda segura pela mão esquerda, e vendo pessoas de boa vontade que tentam ajudar. As pessoas querem levantá-lo, tirá-lo do meio da faixa de pedestres porque o farol vai abrir para os carros, as pessoas querem que você se recupere e volte a andar, siga seu caminho, porque, afinal, é muito incômodo ver alguém desabando, indo ao chão. Dá medo no outro, gera desconfiança, insegurança. Faz com que todos nós lembremos de que “tudo pode estar por um segundo”. 

E sempre está. A cada minuto estamos a um minuto a menos de nossa existência física neste planeta. Apagar do nada, no meio da rua, faz com que você volte para casa com um pouco de medo e se questione: a quantas anda minha saúde física, mental, emocional? Ninguém apaga do nada, por apagar. Algum motivo existe para que os circuitos desliguem e a queda seja inevitável. Como se os disjuntores da alma estivessem com sobrecarga e ploct... cai a chave. Isso me aconteceu algumas vezes e, independente dos meus exames clínicos estarem ok, hoje a queda se repetiu. Como eu nunca espero desligar, sempre fico surpresa. Depois de me levantar, agradecer a ajuda das pessoas, conferir os estragos nos joelhos e ter certeza de que, desta vez, não quebrei nenhum tornozelo, fiquei pensando no que eu estava, justamente, pensando no instante em que o disjuntor me desligou. Estava pensando nesta espaço, nesta coluna, neste jornal, em você, leitor, que eu não conheço mas com quem me sinto tão familiarizada, tão à-vontade para este encontro semanal. 

Estava pensando que hoje perguntaria ao nosso espelho mágico se há neste mundo alguém que não possa mudar o jogo, virar o placar, reinventar-se, transformar qualquer situação em algo melhor. Elaborei essa ideia e ela puxou na minha memória o livro que eu traria para vocês: “A Menina que Roubava Livros”, de Markus Zusak, Editora Intrínseca. Pensei no livro, pensei na personagem principal e quando vi estava de joelhos, confusa, tentando ligar as luzes de emergência. O curioso é que a personagem principal é a narradora da história que é simplesmente, nada mais, nada menos, que a Dona Morte. Inevitável pensar na Dona Morte como ela é caracterizada nos gibis da Turma da Mônica, de Maurício de Souza. Uma mulher que se veste toda de preto, anda com uma ceifadora, perde a hora, é atrapalhada e sempre deixa a vítima escapar. 

A Dona Morte de “A menina que Roubava Livros” não perde a hora, trabalha incansavelmente, pois está no meio da Segunda Guerra Mundial e recolhe muitas almas, o tempo todo. Mas, ela não é assustadora. Ela é poética, um pouco melancólica apenas. Trabalha demais, não descansa, não pode tirar férias. Para se distrair, ela coleciona retalhos de céu, as cores presentes no instante em que ela recolhe cada alma, e ela diz: “pessoalmente, gosto do céu cor de chocolate. Chocolate escuro, bem escuro. As pessoas dizem que ele condiz comigo. Mas, procuro gostar de todas as cores que vejo – o espectro inteiro. Um bilhão de sabores, mais ou menos, nenhum deles exatamente igual, e um céu para chupar devagarinho. Tira a contundência da tensão. Ajuda-me a relaxar.”. 

Pois bem, o que a “Menina que Roubava Livros” tem com a pergunta para nosso espelho mágico? Tudo. O autor, o australiano Markus Zusak é um jovem australiano que só escrevia histórias para adolescentes e quando ousou em seu primeiro romance “adulto”, o livro simplesmente estourou e ficou na lista dos “mais vendidos” de todo o mundo. Além da Dona Morte, o romance traz personagens pelas quais você se apaixona e quer ir morar junto, fazer família, nunca mais se separar. Todos os personagens passam por transformações heroicas, especialmente para a época, em meio a bombardeios, numa cidadezinha alemã, sendo, muitos deles, contrários ao Nazismo. A garotinha Liesel rouba um livro, “Manual do Coveiro”, e Dona Morte percebe. Esse ato faz com que a menina não lhe saia da cabeça e pelos olhos da “mais temida das gentes”, conhecemos a cidadezinha, os pais adotivos de menina Liesel, seus amigos, o judeu que eles salvam num porão, os livros que ela rouba ou empresta, seus pequenos sonhos e imensas dúvidas, pertinentes a todos nós. 

Todos somos Liesel, todos enfrentamos bombardeios e temos segredos escondidos no porão. Li “A Menina que Roubava Livros” tantas vezes quantas já sofri apagões, cai  e me machuquei feio. E cada vez em que leio me surpreendo mais um pouco. Por causa desta nossa conversa, da minha queda de hoje, lerei mais uma vez. Dona Morte é uma narradora de mão cheia. Encerro com as palavras de quem coleta alminhas por aí, coleciona cores, céus e histórias de meninas que salvam diversas almas da tristeza apenas com palavras. As tais das mágicas e sagradas palavras. “ Primeiro as cores. Depois, os humanos. Em geral, é assim que vejo as coisas. Ou, pelo menos, é o que tento. Eis um pequeno fato: você vai morrer... Isso preocupa você? Insisto. Não tenha medo. Sou tudo, menos injusta.”. 

ANA CARDILHO

terça-feira, 13 de agosto de 2013


                    
                      CLUBE DOS SOBREVIVENTES

Qual é o limite máximo que devemos suportar? Até onde devemos prosseguir, insistir, tentar?  Quanto de dor, quanto de confusão, uma pessoa pode, ou deve, aguentar antes de pedir socorro, antes de jogar tudo para o alto, antes de buscar outros caminhos, jogar a toalha e dizer: não consigo mais?

A teimosia pode ser vista como uma vantagem porque a pessoa se levanta, a cada tombo, e segue em frente, mesmo que esteja caindo aos pedaços. Por outro lado, teimosos podem ser vistos como pessoas que perderam o momento de sair do trem antes dele se espatifar. Ou pessoas que se prenderam demais a situações que já não davam pé. Quem tem razão? Quem está certo? O teimoso que não desiste ou aquela pessoa que muda os planos diante da primeira adversidade?

Sinceramente? Eu não sei a resposta e precisaria de muitos espelhos mágicos para chegar a um consenso, a um conselho que valesse a pena ser ouvido. Sou do reino dos teimosos. Não desisto fácil, mas percebo que, muitas vezes, perco o ponto da hora certa de desistir. Como se tudo ficasse embaçado demais e todas as referências se misturassem. Nesses momentos, faço um voo às cegas, nada de instrumentos, nada de voz da torre.  Apenas a velocidade no máximo, sem nada ver pela frente, e uma certeza: a qualquer instante, vou bater. Como consegui me manter viva até agora,  considero que no último instante sempre invento alguma solução e os instrumentos voltam a me dar as coordenadas, a voz da torre aparece, e é possível pousar em segurança, ou com menos danos possíveis.

Um livro muito interessante, que se propõe a contar os “segredos de quem escapou de situações-limite e como eles podem salvar a sua vida”, é o “Clube dos Sobreviventes”, do jornalista norte-americano Ben Sherwood, também autor do beste seller “Morte e vida de Charlie St. Cloud”.

O autor entrevistou pessoas que estiveram muito próximas da morte, além de psicólogos e peritos de diversas áreas, e ele mesmo fez treinamentos militares e cursos sobre acidentes de avião. Tudo para tentar responder às perguntas: “por que algumas pessoas vivem e outras morrem? Como é que algumas pessoas sobrevivem aos mais difíceis desafios e outras, não? Por que alguns se recuperam das adversidades enquanto outros desabam e se entregam?  Os casos contados em “Clube dos Sobreviventes” são histórias de pessoas comuns que se reergueram depois de situações extremamente difíceis, desde ter uma agulha de tricô fincada por acidente no coração, a ser derrubado da bicicleta, atropelado, e esmagado, por um caminhão, ou ser uma mulher de 66 quilos capaz de erguer um carro de 1,5 tonelada para salvar a vida do filho.

Diz o autor Ben Sherwood que há 3 regras para a sobrevivência: “Todo mundo é um sobrevivente, nem tudo é relativo e você é mais forte do que imagina”. Ele segue nos contando sobre a magia do número 3, segundo um curso de sobrevivência da Força Aérea dos EUA. A regra do 3 determina que NÃO se pode sobreviver: 3 minutos sem ar, 3 horas sem abrigo em condições extremas, 3 dias sem água, 3 semanas sem comida, 3 meses sem companhia ou amor e, especialmente, não sobrevivemos nem 3 segundos se não tivermos coragem e esperança. Aí entra o começo da nossa conversa sobre ser teimoso ou não, insistir ou não. Podemos entregar tudo, menos nossa coragem e esperança. Querem nossos bens? Querem nosso dinheiro? Querem nossa dignidade? 

Vamos entregando, negociando, retendo o que for possível e soltando o que mais nos pesa do que ajuda. Mas, precisamos ser teimosos ao extremo para não perdermos a coragem e a esperança. Tanto faz se você está debaixo das rodas de um caminhão ou na beirada de um desfiladeiro emocional. Os medos são os mesmos: vamos sobreviver? Perguntar se haverá amanhã depois de quase congelar escalando uma montanha equivale à mesma ansiedade para quem se pergunta se haverá amanhã depois daquele trauma, daquela dor que parece além do possível. E se você está vivo, lendo o final deste artigo, é um sobrevivente: filho, neto e bisneto de outros sobreviventes. Se você está em pé até agora significa que ainda não ficou 3 segundos sem coragem e esperança. Ótimo. Com essas duas qualidades você pode preencher os outros itens da tabelinha mágica do número 3. As crises são inevitáveis. Elas virão mais cedo ou mais tarde porque estamos vivos e isso faz parte do aprendizado. E quando a pior delas vier não se esqueça de manter, a cada 3 segundos, sua coragem e esperança.

Ana Cardilho