sexta-feira, 30 de julho de 2010

A PRIMEIRA HISTÓRIA...

Era uma vez... E a magia começa. As crianças se fazem atentas, os adultos se postam curiosos, os emotivos preparam as lágrimas, os céticos torcem o nariz. Aqui só vou contar histórias. Textos com outros tons podem ser encontrados num blog recente (ana.cardilho.zip.net) ou num blog mais antigo (anacardilho.livejournal.com).

A história de hoje começa assim:
Era uma vez, uma menina que tem dez anos e mora com os pais e um irmão.Tem vida de criança de dez anos, com escola, rotina, tv em casa, brincadeiras eventuais. O que ela tem de diferente é que adora contar histórias. Quando as crianças se reúnem na rua ela encontra seu público mais fiel e começa a inventar personagens. As crianças menores adoram uma história em especial que fala sobre um tal "padre caveira". A menina de dez anos descreve o terrível personagem que assombra o bairro com seus disfarces e maldades e vez ou outra algum garotinho mais desavisado solta um grito de susto na turma e esconde os olhos com as mãos. "Padre caveira" é um vilão e tanto!

Numa manhã, a menina foi ao bazar do bairro comprar um caderno. Início do ano letivo. Estava ali no bazar, distraída, esperando o troco quando seus olhos deram com aquela preciosidade. O coração de dez anos se soltou do peito e percorreu o corpo todo, a menina tremia. Era lindo demais o que ela tinha acabado de achar na prateleira, ao lado de pastas coloridas. Era o primeiro objeto de desejo da sua vida. Era o primeiro amor. Na prateleira, um fichário cinza encadernado com uma foto do ator Marcos Paulo na capa. Por essa época, o moço devia contar com vinte e poucos anos. Era um gato de cabelos encaracolados e olhos tristes. A menina perguntou o preço do fichário. Caro demais para sua mesada destinada aos lanches na escola pública. E ela que não era boa com números, mas já era amante das letras, fez umas contas rápidas, de cabeça, e chegou à conclusão de que se usasse o troco, se juntasse uns dinheiros de alguns lanches, em pouco tempo poderia pagar pelo fichário. Fez a proposta à dona do bazar. Levaria o Marcos Paulo com o troco como entrada, no fim da tarde traria mais uma parcela e nos dias seguintes pagaria parcelas iguais até quitar tudo. A moça concordou e ali estava a primeira dívida da menina de dez anos. E ali, em suas mãos, estava a jóia rara, aquele rosto lindo que provocava alguma coisa boa dentro dela. Ainda sem explicação. Foi para casa. Era a menina mais feliz do mundo. Nos dias seguintes parava o que estava fazendo só para dar uma olhadinha no fichário. Adorava carregá-lo entre os braços, feito um abraço forte.

MARCOS PAULO
Até que sua mãe viu aquele objeto estranho no quarto da menina. E começaram as perguntas: O que era aquilo? Um fichário. A escola tinha pedido. Não exatamente. Quem tinha autorizado a compra? Ninguém. Quanto custara? A menina falou, explicou que havia pago uma parte e se comprometido a pagar o restante... Nem acabou de falar. A mãe estava brava e levou a menina ao bazar. Ela não queria Marcos Paulo nenhum. Devolveu o fichário e a dona do bazar se negou a devolver o dinheiro. Mas, ela podia pegar alguma mercadoria correspondente ao que já havia sido pago. A mãe pegou uma presilha de cabelos com um ursinho encrustrado. Depois da bronca, a menina foi para o quarto. E ali abriu a presilha de cabelos de ursinho até que as hastes estouraram e o urso se partiu. Lixo.

Anos se pasaram. A menina virou adolescente. Tinha treze anos e estava no mesmo bazar comprando a lista de material escolar. Nesse ano havia o pedido de um fichário. Em cima do balcão vários deles, com capas diferentes, para a ex-menina e agora adolescente escolher. No meio de todos, um bem empoeirado chamou a atenção. Ali estava o fichário com Marcos Paulo na capa. A garota sentiu uma pontada na boca do estômago. Disfarçou. Não queria que nem a mãe e nem a dona do bazar se lembrassem do passado, não queria dar bandeira. Levou para casa o velho fichário. No quarto, pegou um estilete e cortou com cuidado o plástico da capa. Tirou a foto do ator e a guardou em uma pasta. Na capa do fichário cinza, a adolescente colou uma nova foto. Agora, era a vez da atriz Farah Fawcett. Agora, já era outra época... 
FIM
FARAH FAWCETT