quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A MULHER QUE SONHAVA

Era uma vez uma mulher que sonhava. Não era exatamente uma mulher que tinha desejos, vontades, objetivos a alcançar. Não esse tipo de sonhos. E sim o tipo de sonho comum a todos nós, aqueles sonhos piratas que nos assaltam pela madrugada, pilham a realidade, e levam a nossa sanidade feito refém. A mulher que sonhava sonhava sonhos de histórias prontas. Histórias enormes, cheias de símbolos, para a delícia dos terapeutas.

Essa mulher sonhava tanto que desejava até alugar-se para isso, feito uma personagem de um conto de Gabriel García Márquez que se alugava para sonhar. Mas, como ela apenas sonhava e pouco entendia da razão das coisas, essa mulher não podia viabilizar seu talento como um negócio e por isso nunca alugou-se, nem colocou uma banca de sonhos em alguma feira semanal, e também não abriu uma loja para comercializar sonhos prontos e nem anunciou pela internet que dispunha de um estoque inesgotável de sonhos para pronta entrega. Ela apenas sonhava. Sem objetivos, sem amanhã. Seus sonhos eram para o momento e depois... depois havia outros e depois mais outros... 

Pois essa mulher, de uns tempos para cá, deu para sonhar com roteiros um tanto cinematográficos. Outro dia, ela sonhou que visitava uma casa em obras. Esse trecho do sonho ela bem conhecia. Era um sonho recorrente que vez ou outra acontecia. Sempre uma casa em obras, um apartamento destruído, um casarão atingido por bombas da segunda guerra. Sempre paredes caindo, banheiros desfeitos, tetos ausentes. Depois da visita a mais uma casa em ruínas, a mulher que sonhava foi para a rua e viu uma amiga dos tempos de faculdade num ponto de ônibus. Havia uma multidão esperando pelo transporte. Ela parou, começou a conversar com a amiga, que era fotógrafa, sobre as condições desumanas do transporte público. Como tanta gente caberia dentro de um ônibus? Ao lado delas havia uma mendiga, uma moradora de rua que era personificada pela atriz  Meryl Streep.
Meryl Streep

Essa maltrapilha, no sonho, era uma mulher feroz, violenta, que gritava e ofendia as pessoas de modo geral. A mulher que sonhava percebeu a tensão do momento e tentou manter-se distante. O ônibus chegou, as pessoas se amontoaram na porta buscando um meio de entrar e, de repente, a moradora de rua deu um chute na mulher sonhadora. Um chute daqueles que a gente não esquece. Um chute que dói tanto pela carne atingida quanto pela humilhação. A mulher se sentiu contaminada pela violência da mendiga e tirou-lhe os sapatos. Jogou-os longe. A mendiga ainda mais irada também arrancou os sapatos da sonhadora e também os jogou longe. As duas discutiram e enquanto a mulher que sonhava dizia que a maltrapilha não poderia tirar mais nada dela, que deveria ser combatida, que deveria ser enfrentada, Maryl Streep ria solto, ria bem. Ria e se afastava jogando pragas pelo caminho. A amiga repreendeu a sonhadora, dizendo que ela não deveria ter discutido na rua. E então a mulher que sonhava começou a chorar. Chora no sonho e chora fora dele. Chora e acorda chorando. Acorda muito triste e nem sabe direito por que até lembrar-se que tamanha tristeza era por ter brigado com a atriz Mary Srteep.

Farah Fawcett
Dias depois, Hollywood volta e a mulher sonha que vê Farah Fawcett sentada num degrau, diante de uma porta num colégio. É final de ano e as pessoas estão em festa na escola. Dia de amigo secreto entre alunos e professores. A mulher que sonha se vê com quinze anos, cheia de vida, cheia de planos. Ela passa pela ex-pantera que lhe diz que ali não há discórdia. Ela entra numa sala de aula enfeitada, cheia de presentes e ganha de uma professora uma caixa fechada. Aquele era seu presente de amigo secreto. Em seguida, a porfessora pede que ela escolha um segundo presente. Num sofá há almofadas de vários formatos que foram feitas, costuradas, por um grupo carente que os alunos teriam ajudado no passado. A mulher que sonha se sente contente com a recompensa por uma boa ação que fez um dia e pega uma almofada preta e amarela.

No terceiro sonho da fase "Cinema", ela está num ônibus que às vezes é ao mesmo tempo um avião. Há várias pessoas por ali e ela identifica o ator Robert Downey Jr. Ele explica que perdeu a carteira, ficou sem dinheiro, e por isso viaja de ônibus. Eles conversam. Ele é simpático, muito agradável. Quando estão chegando ao ponto final, que a mulher nem sabe ao certo qual é, o ator lhe pede emprestados os óculos escuros... para fazer tipo aos fotógrafos, como ele explica entre risadas. Ela empresta e depois que desce do ônibus ou do avião, nada é muito claro em sonhos, ela perde o ator de vista. Mas, depois fica sabendo que ele tentou entregar os óculos para ela num hotel. Mas, não chegou. Usou uma moto de alta potência que acabou atolada num lamaçal. Óculos perdidos, enfim... Nesse dia ela acordou dando risada. No final do sonho, ela via que o danado do Robert tinha desistido de enfrentar o lamaçal para devolver seus óculos escuros porque quando voltou para a mansão, para deixar a moto e pegar um carro, havia duas lindas mulheres esperando por ele. Num instante ele esqueceu os óculos escuros sobre uma bancada e o sonho se desfez. Mas, como culpar o pobre Robert? Afinal de contas, quem não esqueceria?
Robert Downey Jr

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