quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A BOLA DA VEZ

A bola do sonho
Era uma vez um menino que nasceu numa cidade que tinha nome de anjo. E não um anjo qualquer, mas nome de anjo poderoso: São Miguel Arcanjo! Nessa cidade, no interior do estado de São Paulo, o menino morava com os pais. Filho único. Os irmãos vindos antes dele estavam mortos. Só ele vingara sob o olhar atento e sempre preocupado da mãe que fazia de tudo para que esse filho tivesse saúde e pudesse crescer. Aos cinco anos, o menino era magro, tinha o cabelo cortado a la escovinha e a voz, ainda infantil, já prometia tons bem mais aveludados para o adulto que ele um dia poderia vir a ser. Por essa época, a mãe quis fazer um agrado. O garoto estava tão magrinho, precisava comer mais, ter mais apetite, ganhar peso. Para fazer o pequeno Antonio gastar energia, ter fome e se alimentar melhor, a mãe deu a ele uma bola. Eles moravam numa casa com quintal de terra, pés de cana de açúcar plantados, abacateiro, mangueira, balanço de pneu velho pendurado em algum galho de árvore forte. Dava pra jogar muita bola naquele espaço todo...

O menino se encantou. A bola era linda demais! Branca. De couro. Com gomos costurados. Uma bola de verdade. Só tinha um problema... Por enquanto, era melhor manter a preciosidade no quarto, debaixo da cama e deixar os chutes no quintal para outros tempos. Quem sabe quando o pai, na época motorista de caminhão, estivesse viajando? A mãe sabia o quanto o marido poderia ser ranzinza e achava melhor não abusar. O menino concordou. A bola foi escondida debaixo da cama e todos os dias, ao acordar, o pequeno deixava a cama, puxava a bola e sentia seu cheiro de couro novo, sentia as costuras, sabia de cor o tamanho e o peso do brinquedo. Antes de dormir, o mesmo ritual. E o menino sonhava com o momento em que pudesse chamar os primos e amigos para muitos jogos no quintal. Ele sabia que a bola mudaria de cor, ficaria suja, encardida, e talvez até murchasse um pouco depois de tantos chutes. Mas, o prazer de imaginar-se um jogador de futebol valia o preço.

Bola antiga
Mas, semanas se passaram, o pai não viajou e acabou descobrindo o que o menino tanto fazia no quarto. Ficou muito bravo. Não queria um filho perdendo tempo com brincadeiras e bolas e lá foi a mãe para a loja do Turco. Ela teve que devolver o brinquedo que ainda estava novo em folha. O menino, acostumado a ser solitário por sua natureza de filho único, caiu numa tristeza sem tamanho. Perdeu o pouco apetite que tinha. Emagreceu ainda mais. Embaixo da cama, mais nada. Por dentro dos sonhos, mais nada. O pai percebeu que o garoto andava pela casa feito sombra, macambúzio. Ficou com medo. E se mais esse filho não resistisse? A mãe, com o mesmo temor, apegou-se ao Arcanjo Miguel. Só ele podia mudar a cabeça dura do marido radical. De quebra rezou para Nossa Senhora Aparecida, Bom Jesus do Iguape e ainda chamou pelas Santas Almas. Nunca se sabe...Alguém lá em cima gostava dela e os terços e rosários que ela fez deram certo. Um dia, o marido chegou em casa trazendo uma bola branca, de gomos de couro e ainda deu ao menino um par de chuteiras! Era a glória! Ele podia correr, chutar, fazer gols, em companhia dos primos, em pleno quintal de casa. O menino cresceu feliz. Mas não foi jogador de futebol nem abriu uma loja de brinquedos ou de produtos esportivos. Na verdade, já adulto, descobriu que seu esporte era a corrida. Ele gostava de correr. Não atrás de uma bola. Mas correr por correr. Correr contra o vento, sentindo o sangue quente, a alma suada, a vida plena. E assim, se fez. Correndo sempre. A bola se foi. A corrida ficou e o sonho ficou. Dentro do homem que corre ainda existe o mesmo menino magrinho, de olhos castanhos e um sorriso manso... Debaixo da cama, vai saber qual o sonho que ele ainda esconde? FIM (Para o Tenente-Coronel França... com amor...)
  

4 comentários:

  1. É uma história bonita mas é um pouco triste...
    Rafael Guedes

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  2. Ana, gostei demais da história do Tenente-Coronel França... espero outras com muitos detalhes.
    Beijos

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